ESCRITA PARA O PÚBLICO INFANTIL

Kafka e a boneca viajante

Ely Vieitez Lisboa

Escrever para crianças é uma tarefa árdua. O texto não pode ser erudito, nem coloquial. Há que se descobrir o tom exato que é a chave da porta do interesse infantil. Poucos autores conseguiram tal façanha e até mesmo os gênios, como Monteiro Lobato, às vezes tropeçaram no exagero didático, ensinando demais. As lições, as mensagens devem ser sutis e atraentes, com a finalidade de encantar, seduzir, ensinando.

Descobrir o livro Kafka e a Boneca Viajante, de Jordi Sierra i Fabra, foi uma grande surpresa. Uma obra infanto-juvenil que recebeu o “Prêmio Nacional de Literatura Infantil y Juvenil”, de 2007, concedido pelo Ministério da Cultura da Espanha.

As grandes editoras devem ter um faro especial. Em janeiro de 2008, a Martins Fontes lançava o livro no Brasil, em excelente tradução de Rubia Prates Goldoni e ilustrações de Rep Monserrat.

O que Kafka, tão filosófico, seco, árido, podia ter com o público infantil? Jordi Sierra i Fabra, no final do livro, agradece a César Aira, cujo artigo, “La muñeca viajera”, publicado na última página do suplemento “Babelia”, 2004, levou-o a escrever esta história, nos 80 anos da morte de Franz Kafka.

Explica ao leitor como surgiu a narrativa: Franz Kafka morreu no sanatório Kierling, perto de Viena, aos 41 anos de idade. O encontro com a menina que perdeu a boneca e chorava desesperadamente, no parque Steglitz, em Berlim, em 1923, é comprovadamente biográfico. Kafka, tentando consolá-la, diz: “Sua boneca não desapareceu. Ela foi viajar!”. Após a mentira consoladora, ele teve que achar uma solução. Assim, tranformou-se no carteiro de bonecas. Durante três semanas criou cartas lindas, que Brígida, a boneca, enviava de várias partes do mundo, a Elsi, sua dona querida.

Ora, sabe-se que o grande amigo de Kakfa, Max Brod, não destruiu a obra do escritor, contrariando, felizmente, o pedido de FK. Mas as cartas que ele escreveu como sendo da boneca Brígida jamais foram encontradas.

Jordi Sierra i Fabra confessa que “permitiu a transgressão”, recriou as cartas desaparecidas, assim como o final da história. O resultado é uma obra-prima de lirismo e lições de vida.

O livro “Kafka e a Boneca Viajante” está ao lado de obras notáveis sem público-alvo definido, assim como “O Pequeno Príncipe”,  de Exupéry. Tudo dependerá de quem tomar pela  mão, o aluno, o filho e penetrar em um mundo pleno de beleza e grande achados. Talvez o pequeno leitor, sem orientação, perderá pérolas pelo caminho, lerá a história só no primeiro nível. Algo é certo. No mundo atual, contaminado pelos discutíveis jogos infantis, na Internet, quando as próprias animações, no cinema, raramente, são sutis e líricas, o livro de Jordi Sierra i Fabra é um antídoto, um elixir. Resta saber que mãos mágicas vão receitá-lo às nossas crianças, tão carentes de beleza e poeticidade.


Ely Vieitez Lisboa é escritora.
E-mail:
elyvieitez@uol.com.br



Os livros infantis que os grandes autores brasileiros fizeram

Nomes como Drummond, Graciliano Ramos, Clarice Lispector e Cecilia Meireles escreveram obras para os pequenos leitores.

Poucos sabem que Drummond fez duas obras para crianças

Do JC Online


As duas mãos de Carlos Drummond de Andrade, que escreviam sobre o sentimento do mundo e as pernas brancas, pernas amarelas, também se voltaram para elefantes que falam, histórias de infância, amores entre pulgas. Da mesma forma, o retrato de uma dona de casa que encontra e devora uma barata ou o trágico e cômico destino de Macabea não são o único tipo de universo de Clarice Lispector: ela também criava histórias em que seu cãozinho, Ulisses, falava e revelava as aventuras que viveu.
Se os nomes acima e outros, como Manuel Bandeira, Jorge Amado e Graciliano Ramos são presenças obrigatórias em qualquer historiografia da literatura brasileira, têm um lado muitas vezes menos conhecido. Em paralelo a nomes como o patrono da prosa infantil brasileira, Monteiro Lobato, vários mestres da nossa escrita se dedicaram a inventar histórias para crianças, em um mundo que se alimenta das fábulas, da cultura popular e das brincadeiras com as palavras (confira ao lado).
São histórias que podem parecer – ou mesmo ser – obras menores desses autores, mas não por sua pretensão. A maioria deles levava o ofício muito a sério, e suas produções são exemplos de como pensavam a poética voltada para o público infantil. É como o encenador russo Constantin Stanislavski já disse: para dialogar com as crianças, é preciso criar uma obra “igual a dos adultos, só que melhor”.
Drummond, por exemplo, defendia que não havia separação entre uma prosa adulta e uma infantil, e reclamava de quem tentava instaurar uma separação clara entre elas. “Será a criança um ser à parte, estranho ao homem, e reclamando uma literatura também à parte? Ou será a literatura infantil algo de mutilado, de reduzido, de desvitalizado – porque coisa primária, fabricada na persuasão de que a imitação da infância é a própria infância. Vêm-me à lembrança as miniaturas de árvores, com que se diverte o sadismo botânico dos japoneses; não são organismos naturais e plenos; são anões vegetais. A redução do homem, que a literatura infantil implica, dá produtos semelhantes”, argumentava o mineiro.
Outra autora prolífica em obras infantis, Clarice dizia ter três sentidos para a vida: amar os outros, escrever e criar meus filhos. Juntou os objetivos em um só, depois de ser provocada pelo filho Paulo, quando já tinha uma sólida carreira literária. Ele queria saber por que a mãe só criava obras para adultos, nunca para os pequenos leitores como ele. Como conta a escritora e pesquisadora Geórgia Alves no artigo Os infantis de Clarice Lispector, o desafio foi aceito em 1967, com a publicação de O mistério do coelho pensante.
De uma história que contava para o filho João Jorge dormir, Jorge Amado também se viu ligado à literatura infantil. Escreveu o texto de O gato malhado e a andorinha Sinhá em 1948, quando morava em Paris. Depois de voltar para o Brasil, deixou a narrativa de lado por muito tempo e até se esqueceu dela. Só a reencontrou quase 30 anos depois, e logo o amigo e ilustrador Carybé criou desenhos para acompanhar a história. O autor baiano, que nem gostava tanto assim do texto, se viu obrigado a publicá-lo – e gostou da experiência, tanto que deu continuidade a ela com outro livro, A bola e o goleiro.





Para atrair a leitura infantil, autores abusam da criatividade nos livros

Publicado em Diário Digital
Sentir o gostinho da imaginação, num cantinho só seu, vontade de pular dentro da história, que acaba se tornando sua, de mudar o rumo, das sensações deliciosas… Será que isso se perdeu? Será que entramos em uma fase tão tecnológica que a magia do livro ficou guardada a sete chaves? Quantos livros eu li esse ano? Faça um desafio a você mesmo e veja as mudanças que vão acontecer…
E pra falar um pouco sobre a literatura infantil, o Diário Digital conversou com a coordenadora de conteúdo da editora Alvorada, Cleomar Herculano de Souza Pesente. Para ela, além da imaginação, a leitura também desperta a escrita, o desenho, a vontade de conhecer, de aprender. “Estamos em uma era tecnológica, mas acredito que o livro ainda resiste a essas mudanças e a leitura tem que ser incentivada, tem a questão do volume, do cheiro, de tê-lo junto, que são insuperáveis, são que nem os quadros, as obras vão existir, passam-se os tempos elas ficam ainda mais valiosas” fala Cleomar.
Enquanto conversa com a equipe do DD, Cleomar folheia o livro “Uga, a tartaruga” da autora Ângela Maria de Brito e é aparente esse amor dela pelos livros. Cleomar sabe todas as histórias de cor, não só pela profissão, “eu amo ler”, diz ela e complementa: “Essa história é linda, conta o dia em que uma tartaruga ao ver uma libélula fica pensando que ela não pode voar e fica muito triste. Ao ver um vagalume fica ainda mais triste porque ela não produz sua própria luz, mas aí cai uma chuva, todos os bichinhos procuram lugar para se proteger, enquanto ela se refugia em seu casco e vê qual é sua qualidade”, conta.
Para atrair a leitura infantil, os autores abusam da criatividade, tem livro com CD, com sons dos animais, com quebra-cabeça, tudo para interagir com a criançada e tornar a leitura mais agradável. “Os pais devem saber escolher o livro de acordo com a idade, para não tornar aquilo chato para a criança. Se é uma que não sabe ler, ela não vai gostar de um livro com muita escrita, e sim com mais imagens, que não seja óbvia e deixe espaço para que ela possa imaginar como quiser aquela história”.
A leitura desde criança é essencial para aquisição de conhecimento, de habilidades de escrita e da própria maneira de ler. “Nós precisamos contribuir com novos leitores. A leitura amplia a capacidade de compreensão do mundo e quem não lê, não escreve. A leitura também traz diversos benefícios para a vida toda”, finaliza Cleomar.
O Dia Internacional da Literatura Infantil foi comemorado esta semana, 2 de abril, dia do aniversário de um dos mais importantes nomes da literatura infantil, o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen. Andersen não foi o primeiro a escrever para o público infantil, mas é considerado o primeiro autor a adaptar fábulas já existentes para uma linguagem mais adequada ao universo dos pequenos. No Brasil também é comemorado no dia 18 de abril, que marca o aniversário de nascimento do precursor do gênero no país, o escritor Monteiro Lobato. Lobato não só produziu clássicos da literatura infantil, como as histórias do Sítio do Picapau Amarelo, como também traduziu e adaptou clássicos mundiais, como Alice no País das Maravilhas.

LEITURAS COMPLEMENTARES

1) Graciliano Para o Público Infantil



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